A reflexão que proponho hoje a meus leitores é a seguinte: do ponto de vista filosófico, num sentido mais amplo, o conceito trazido pela religião, sobre os atributos infinitos de Deus, poderia ofuscar nosso entendimento a respeito dele?
Talvez alguém vá pensar que eu seja um ateu confesso. Mas livro-me desse conceito por dois motivos: o primeiro é que, de acordo com Nietzche, a religião é mais importante do que não possuir religião nenhuma, porque tem-se posta uma ordem social com ela, que livra os seres humanos do caos, já que Deus é a ultima esperança de alcance dos seres humanos. O homem logo falha. Daí encontrarmos em deus a perfeição das coisas, e a esperança em um ser que, com certeza, nos ouvirá. Segundo, porque sempre necessitei de entendimento sobre as coisas não criadas pelo homem, que atingissem um patamar com alcance maior que o das ciências em geral.
Para começo de conversa sobre o tema, imaginemos que o infinito seja a nossa Via Láctea. Se o infinito precisa tomar conta da totalidade das coisas, um mínimo fragmento que lhe faltasse, retiraria do infinito essa propriedade; deixaria, portanto, de ser infinito. Se dele saísse para fora dos seus limites um grão de poeira, e pudéssemos conceber o vazio – sabendo-se que não o podemos – teríamos ali uma falha do infinito e, desse modo, o universo do nosso exemplo seria o todo sem a parte, e nenhuma delas – a parte ou o todo – seriam infinitas. Com esse raciocínio, se bem compreendido, poderíamos mencionar que seria muito difícil distinguir o nosso grão de areia, primeiro porque não se tornaria conhecido, tendo em vista de não ter se desprendido do espaço infinito em que estava e segundo, por estar mesclado a essas características do nosso exemplo de infinito. Não poderíamos, portanto, distinguir nem o grão de areia e nem o universo que o continha, porque eram os mesmos em si.
Agora eu pensei numa estória da chama de luz que, vivendo em meio à luz, não poderia ver-se e distinguir-se da luz. A chama vivia na luz, porque era a própria luz. Separando-se, retirou-se para a escuridão, e pôde perceber-se enquanto existência, e também notou que havia outra luz, que ocupava o infinito. Parece bem sensato inferir aqui a parábola de Deus e seu filho Jesus. Mas retornemos à segunda parte da discussão.
Faz-se pertinente explicar, depois de entendida a questão do infinito, porque essa idéia afastaria o entendimento completo de Deus. De acordo com o que já foi escrito, concebendo que Deus é infinito, então o mesmo ocupa todo o universo, que também é infinito, e tudo quanto nele há, primeiro por causa da idéia de que Deus criou tudo e todos, e do nada tirou o tudo; segundo, porque se tirássemos qualquer coisa do universo, este não seria mais infinito. A limitação do universo seria a limitação de Deus, que, portanto, seria finito.
Se Deus ocupa tudo, como poderíamos entendê-lo por uma oposição, sabendo que todo ele era tudo e uma coisa só? Claro deve estar que não estou negando essa idéia, mas que coloco em evidência o fato de que necessitamos, para entender um conceito, de outro que o oponha ou diferencie. Desse modo, o homem, ser finito diante do universo e de Deus, não pode conceber o infinito e nem a Deus. Mas ele pode, abstraindo-se do infinito, compreender a Deus pela diferenciação de si mesmo a ele, por dois principais motivos: o primeiro é que, saído do infinito e já limitado por si só – concebendo-o como ser separado da igualdade do infinito – poderia ver-se e caracterizar-se, para depois comparar-se com as características do infinito, que seriam logicamente distintas; depois, exteriorizando-se do infinito, este perderia uma parte de si, e seria, então, limitado. Sendo limitado o que antes era infinito, agora mais próximo do que é compreensível pelo homem, que é limitado e, desse modo, mais compreensível.
Assim, é necessário que o homem abstraia sua existência do infinito, como se estivesse olhando de fora, de cima, para que, aproximando Deus de sua natureza finita, e diferenciando-se dele por sua própria natureza, que já é limitada, possa entender-se e entendê-lo, e depois contextualizar-se no infinito novamente, para devolver a Deus a natureza infinita do qual é constituinte e ser, o homem mesmo, ser infinito, por estar impregnado de deus e este dele.